Proprietários de terras em Dom Basílio, no sudoeste da Bahia, denunciaram a multinacional francesa Voltalia Energia do Brasil por desmatamento, conivência com grilagem e invasão de propriedade rural. A empresa, que é produtora de energia renovável, nega.
Por meio de nota, a Voltalia afirma que repudia veementemente qualquer irregularidade ou ação que vá contra a legislação brasileira e reforça que não procede qualquer denúncia de grilagem ou invasão de propriedades atribuída à ela e, mais especificamente neste caso, no município de Dom Basílio. [Confira íntegra no fim da matéria]
O G1 ouviu três lavradores da região. Um deles é Antônio Manoel Ribeiro, de 53 anos. Os outros dois não quiseram se identificar. No texto, eles serão chamados de Miguel e João.
De acordo com Antônio, o caso aconteceu há cerca de dois meses e ele só teve conhecimento quando outros moradores da região viram a situação e comunicaram a ele.
“Quando me falaram, eu fui lá ver. É uma trilha. Eles [Voltalia] abriram a terra com quase 8 metros de largura e 1,3 quilômetro de abertura”, conta.
Segundo o lavrador, ele morava no local desde que nasceu. Ele conta que a propriedade é da família dele há mais de 100 anos e que ela foi passada para ele através de uma escritura registrada em cartório há cerca de oito anos.
“Foi do meu bisavô, que passou para meu avô, que passou pra minha mãe e hoje é minha por herança”, explica.
A esposa dele, Joelma Caires Silva, 45, disse que eles precisaram se mudar para o povoado de Jatobá, a cerca de 3,8 quilômetros, porque o pai de Antônio sofreu um Acidente Vascular Cerebral (AVC).
“Lá [Dom Basílio] é muito longe, aí ele teve que comprar uma casa aqui em Jatobá, porque fica perto do hospital. O pai dele é aposentado. Ele [Antônio] não ganha nada, porque teve que parar de trabalhar para cuidar do pai. Eu trabalho cuidando de idoso e fazendo faxina. Nosso sustento é esse”, conta.
Segundo Antônio, ele nunca passou por nenhuma situação parecida com essa. “Foi uma invasão na minha propriedade. Tem uma nascente que abastece a comunidade, então se não fossem barrados chegariam ao topo da serra”, relata.
Antônio conta que, em nenhum momento, foi procurado pela multinacional francesa.
“Eu fiquei abalado, porque invadiram o terreno. Eu não tinha contrato com eles [Voltalia] e, mesmo que tivesse, eles não podiam entrar sem avisar. Eu tenho contrato com outra empresa, focada em energia eólica, que é bem organizada e respeita o meio ambiente”, diz.
A propriedade rural era o meio de sustendo da família de Antônio, mas devido a problemas de saúde e por causa da seca na região, a família não planta mais no local.
“Já plantamos feijão, algodão e mamona. Em cima da serra, [plantamos] mandioca. Devido aos problemas de saúde e à seca que enfrentamos não podemos plantar mais. Era lá que tirávamos o sustento da família”, diz.
Ele registrou um boletim de ocorrência na delegacia para denunciar o fato e comprovar que não autorizou a suposta invasão.
Por meio de nota, a Polícia Civil informa que as investigações já foram iniciadas e os depoimentos estão agendados ainda para agosto, mas as datas não foram reveladas.
Ainda em nota, a polícia diz que a unidade onde o caso foi registrado também deve solicitar perícia e que não poderia passar mais detalhes para não interferir no andamento das apurações.
Outras denúncias
O segundo lavrador, que será chamado de Miguel nesta reportagem, informou que a Voltalia queria fazer contrato com ele, mas ele já havia feito com outra empresa.
“Outro vizinho [Antônio] que tem o terreno fez a denúncia. Não atingiu a minha propriedade, passou perto, mas se eles [Voltalia] fizessem a curva ia pegar na minha propriedade. Só não fizeram [a curva] porque o pessoal do meio ambiente parou eles”, diz.
Já o terceiro lavrador, João, conta como a multinacional francesa chegou no local.
“Essa Voltalia chegou tem entre 60 e 70 dias. Eles invadiram as terras com maquinário e subiram a serra”, conta.
Ele conta que os moradores da região tinham acesso ao local que foi desmatado por meio de uma trilha de pedestres.
“Eles [Voltalia] derrubaram umbuzeiro, que não pode derrubar. O Ministério do Meio Ambiente recomenda o que pode e o que não pode, e eles derrubaram”, diz.
A derrubada do umbuzeiro, que é um tipo de árvore, é proibida em todo o país desde 2005. A medida foi aprovada pela Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável.
De acordo com o terceiro lavrador, se a abertura de caminho continuasse, poderia atingir uma nascente que tem na região.
“Por isso pedimos para parar, porque ia atingir a nascente que fornece água para 90 famílias. Se atingisse a nascente, essas pessoas ficariam sem água”, explica.
Denúncia ao Incra-BA
Além do boletim de ocorrência registrado por Antônio, houve também uma denúncia encaminhada ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária da Bahia (Incra-BA) feita por um agricultor. Um engenheiro agrimensor, que também não quis se identificar, participou da denúncia como responsável técnico.
“Ela [Voltalia] está arrendando uma área que foi invadida por grilagem, que estavam tentando grilar. Então ela [Voltalia] está conivente com a grilagem”, conta o engenheiro.
Segundo o homem que participou da denúncia como responsável técnico, houve abertura de acessos para que fosse possível chegar a uma área mais alta da propriedade para instalação de possíveis torres de medição.
O engenheiro ainda detalha que soube do fato pelo boletim de ocorrência registrado por Antônio, que diz que a propriedade foi invadida. Segundo ele, até a publicação desta reportagem, houve desmatamento em duas áreas, mas ele não detalhou os locais.
De acordo com o engenheiro, duas pessoas que supostamente estariam tentando se apossar das terras por meio de grilagem não conseguiram provar o domínio.
Por meio de nota, o Incra-BA diz que com base nos dados que envolvem certificação e sobreposição de uma propriedade rural, a Superintendência Regional do Incra na Bahia verificou duas certificações relacionadas ao imóvel rural, sendo que uma delas já foi cancelada e a outra encontra-se com requerimento de cancelamento em análise.
Ainda na nota, o Incra-BA esclarece que a certificação é um instrumento declaratório apresentado pelo técnico e o proprietário rural. Desse modo, não comprova o domínio sobre a terra, que é atribuição de documentos cartoriais.
O engenheiro agrimensor reforça que esse caso se caracteriza como invasão, uma vez que os dois posseiros que deram entrada no Incra-BA com essas áreas afirmam ter contrato com a empresa Voltalia.
“O que indica que estão querendo tomar posse de uma área que é de interesse da empresa para instalação de torres e a empresa está intermediando um acordo para resolução deste conflito”, explica.
Segundo o engenheiro, eles decidiram fazer a denúncia por se tratar de empresa francesa instalada no Brasil, no entanto, equiparada à estrangeira pelo fato do capital social ser composto de estrangeiros. “Ela necessita de autorização do Incra para aquisição ou arrendamento de imóvel rural no país e, dependendo a área, até do Congresso Nacional”, comenta.
“O presidente da França Emmanuel Macron vive criticando desmatamentos no Brasil, mas aí vem uma empresa francesa e faz isso aqui”, conclui.
O que diz a Secretaria de Meio Ambiente de Dom Basílio
Por meio de nota, a Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (SEMMARH) de Dom Basílio diz que foi informada de uma manutenção de trilha na respectiva área e que encaminhou uma equipe técnica para averiguar os fatos.
Na inspeção local, a prefeitura não encontrou irregularidades, mas depois, notou ausência de comunicação para manutenção da estrada. Confira o que diz a nota da secretaria na íntegra:
“A Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Recursos Hídricos de Dom Basílio – BA, foi informada de uma manutenção de trilha na respectiva área, imediatamente encaminhou uma equipe técnica para averiguar os fatos. In loco, a equipe ao realizar a vistoria técnica não identificou qualquer indicio de infração que pudesse caracterizar desmatamento, grilagem, nem tão pouco invasão de propriedade, visto que a atividade que estava sendo realizada, tratava-se da manutenção de uma trilha, conhecida por “estrada vicinal”, de responsabilidade pública, com isso, essa Secretaria afirma que não houve violações legais. No entanto, ao averiguar a ausência de comunicação para manutenção da estrada, a aludida empresa foi convidada a suspender as atividades até a respectiva formalização. Imediatamente o pedido fora atendido estando suspensas quaisquer atividades no local. No tocante ao aspecto indenizatório ao proprietário, como já abordado acima é um acesso público “estrada vicinal”, não existindo cunho indenizatório, com base na legislação vigente desse município”.
Confira íntegra do posicionamento da Voltalia
“A Voltalia Energia do Brasil repudia veementemente qualquer irregularidade ou ação em contrariedade à legislação brasileira e esclarece que não procede qualquer denúncia de grilagem ou invasão de propriedades atribuída a ela e, mais especificamente neste caso, no município de Dom Basílio, no Sudoeste da Bahia. A empresa afirma que cumpre rigorosamente a legislação ambiental e imobiliária e, no que se refere ao contexto da regularização fundiária nas áreas consideradas de posse, visa sempre a homologação dos órgãos públicos e regulamentadores em seus respectivos processos.
A companhia informa que contratou uma empresa para realizar melhoria e ampliação de uma trilha já existente na zona rural, para passagem de maquinário que será usado para instalação de uma torre de medição de vento, e durante a ação foi comunicada sobre um erro do fornecedor contratado. Por isso, solicitou imediatamente a paralisação das atividades e a retirada dos equipamentos. A Voltalia afirma que a falha cometida pela contratada é um caso isolado e esclarece que disponibilizou uma equipe para acompanhar o caso junto aos proprietários e à prefeitura da região. A companhia reforça seu histórico de instalação de mais de 80 torres em diversos estados do Brasil, sempre no mais estrito respeito às leis, às regras de supressão e de acesso às terras de terceiros e, de forma mais ampla, ao meio ambiente e às comunidades.
Sobre o Boletim de Ocorrência e denúncias, a empresa afirma que até o momento não recebeu qualquer notificação, porém, está à disposição das autoridades e, tão logo seja convocada, prestará todos os esclarecimentos necessários.
A Voltalia reforça sua ética, confiabilidade e transparência e repudia qualquer atividade relacionada à grilagem ou outra ação ilegal. A empresa está na região realizando prospecção para o desenvolvimento de mais um grande projeto de energia renovável e ratifica que está à disposição de todos os segmentos da sociedade e autoridades para o diálogo. A companhia acrescenta que a implementação deste projeto, como de todos os outros que realiza, ocorre de forma transparente, com respeito às comunidades, à biodiversidade e ao Brasil, país onde está presente há mais de 15 anos”.
Fonte: G1