Após dois anos de queda, a dívida bruta do Brasil voltou a subir e chegou a 74,3% do PIB (Produto Interno Bruto) em 2023, primeiro ano do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
As despesas com os juros da dívida chegaram a R$ 718 bilhões, ou 6,61% do PIB —o maior valor desde 2015—, na esteira ainda do impacto da trajetória de alta da taxa Selic, que só foi interrompida pelo Banco Central em agosto do ano passado.
A tendência segue de alta para o endividamento público do país em 2024. A dívida bruta é um dos principais indicadores econômicos observados pelos investidores na hora de avaliar a saúde das contas públicas.
Especialistas alertam que o resultado, divulgado nesta quarta-feira (7) pelo Banco Central, mostra que o problema fiscal brasileiro ainda está longe de ser resolvido. E que o sinal de crescimento da dívida continua amarelo.
Em 2022, a dívida fechou em 71,7%, mas o governo Jair Bolsonaro (PL) adiou despesas no ano em que o então presidente disputou a eleição com Lula.
O aumento da dívida bruta é resultado principalmente do déficit primário de R$ 249,12 bilhões (2,29% do PIB) das contas do setor público (União, Estados, municípios e estatais) e dos juros, segundo o chefe do Departamento de Estatísticas do Banco Central, Fernando Rocha.
Em 2022, as contas ficaram no azul em R$ 126 bilhões. Ou seja, houve uma piora no resultado de um ano para o outro de R$ 375 bilhões.
“Tem o efeito acumulado da alta da Selic”, explicou Rocha sobre o impacto elevado das despesas com juros, apesar do início da queda da taxa nos últimos meses.
No ano passado, o governo não só aumentou em R$ 168 bilhões o espaço para novas despesas com a aprovação da chamada PEC (proposta de emenda à Constituição) da Transição, como pagou R$ 93 bilhões de precatórios que tinham sido postergados no governo Bolsonaro.
“O sinal amarelo para a trajetória continua. O cenário não é tranquilo, longe disso, o ministro Fernando Haddad [Fazenda] não pode fraquejar no compromisso fiscal da meta de zerar o déficit porque o quadro fiscal ainda não está controlado”, avaliou Felipe Salto, economista-chefe da Warren Investimentos e ex-diretor-executivo da IFI (Instituição Fiscal Independente), ligada ao Senado Federal.
“O crescimento do PIB não foi suficiente para frear o aumento da dívida”, disse. Salto projeta que a dívida bruta vai voltar a subir em 2024, para 76,8% do PIB. Ele defende que o governo persiga a meta de déficit zero neste ano justamente para controlar o crescimento da dívida.
Para o analista da área fiscal da XP Investimentos Tiago Sbardelotto, a piora de 2023 pode ser explicada por dois fatores: juros e resultado primário.
“Os juros acabam tendo um efeito maior, pois incidem sobre todo o estoque, mas a variável de ajuste mais relevante é o resultado primário [de déficit], que acabou por elevar as emissões líquidas [títulos do Tesouro] no ano”, disse.
Sbardelotto também prevê que a tendência de alta deve se manter no longo prazo, apesar de uma conta de juros um pouco menor neste e no próximo ano.
“A tendência de alta deve se manter, com um crescimento médio de 2,5 ponto porcentual por ano”, disse.
Para que haja estabilização da dívida nesse cenário, o analista do XP calcula que seria necessário um superávit médio de 1,8% do PIB.
Especialista em contas públicas e pesquisador do FGV Ibre (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas), Fabio Giambiagi chama a atenção para a trajetória de alta da dívida líquida, que atingiu 60,8% do PIB (R$ 6,6 trilhões) no ano passado, com elevação anual de 4,7 pontos porcentuais de 2022 para 2023. O indicador considera os passivos do setor público, mas também os ativos.
Giambiagi ressalta a importância de os analistas olharem para o indicador de dívida líquida.
“É uma trajetória que preocupa. A tendência é de alta, sim. Vamos superar o número de 2020 [que foi influenciado pela pandemia]. Vai ser o maior número da série histórica”, prevê ele, que tem um dos registros de dívida mais antigos do país.
Com o uso da chamada contabilidade criativa no governo Dilma Rousseff (PT), os analistas passaram a olhar para a dívida bruta.
“A estatística continuava a ser feita, mas ninguém ligava. E passaram a olhar para a dívida bruta. Agora sem contabilidade criativa, e não temos hoje isso, está na hora de voltar a olhar a dinâmica da dívida líquida”, defendeu.
O sarrafo para o cumprimento da meta de zerar o déficit das contas públicas começou mais alto em 2024 para Haddad. A razão disso é que o déficit divulgado pelo BC para as contas do governo federal ficou R$ 34 bilhões maior do que o resultado divulgado, na semana passada, pelo Tesouro Nacional.
Enquanto o Tesouro divulgou um déficit de R$ 230,5 bilhões, o BC calculou o rombo nas contas do governo em R$ 264,5 bilhões. BC e Tesouro têm metodologias diferentes de calcular o resultado, mas em 2023 essa diferença cresceu por fatores extraordinários.
O principal motivo é que o BC não aceitou incluir na sua conta uma medida de resgate, pelo Tesouro, de R$ 26 bilhões em recursos abandonados nas contas de trabalhadores no fundo PIS/Pasep. Esses recursos foram contabilizados pelo Tesouro, mas não pelo BC.
Para a autoridade monetária, esse dinheiro não representa “esforço fiscal” e, por isso, não serve para reduzir o rombo das contas em 2023.
O BC também contabilizou de forma diferente a transferência de recursos que o governo Lula fez para estados e municípios para compensar perdas com a redução da alíquota do ICMS.
A autarquia é o órgão responsável pelas estatísticas oficiais das finanças públicas brasileiras. É o número da instituição que vale para a aferição se o governo cumpriu ou não a meta fiscal estabelecida na LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias).
Em 2024, a meta é zerar o déficit. A regra de considerar a contabilidade do BC foi mantida no arcabouço fiscal, explicou o chefe do Departamento de Estatística do BC.
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Adriana Fernandes/Folhapress